terça-feira, 17 de setembro de 2013

Meu grande amigo José Palmeira. O Zé Barbeiro. Quanta saudade!!!

Resolvi escrever algumas linhas sobre o meu grande e inesquecível amigo José Palmeira, mais conhecido como Zé Barbeiro, pela grande amizade que surgiu simplesmente do nada e de repente se solidificou e durou pelo menos 35 anos. Não porque tenha frequentado a sua residência nesse período, nem tão pouco, porque tenha conhecido a sua maravilhosa família. Isso é que foi realmente lamentável. Éramos simplesmente amigos. O nosso contato era apenas nos dias em que ia cortar os meus cabelos.
A nossa amizade começou se não estou enganado, nos meados dos anos setenta, quando procurava uma nova barbearia para cortar os meus cabelos e, descobri por acaso, a Barbearia "El Saloon", Rua Cincinato Pinto, em frente a uma panificação que ainda existe na esquina das Ruas Cincinato Pinto e Moreira e Silva, no Centro da cidade e que na época tinha o nome de Panificação Leão Branco.  A barbearia, um pouco menor, funciona até hoje. Era uma sala onde na época trabalhavam quatro barbeiros. Às vezes trabalhava também uma manicure. Se não estou enganado trabalhavam dois irmãos, um senhor, baixo e já de meia idade e o nosso amigo Zé, que na época devia ter os seus 35 anos já que ele era dez anos mais velho do que eu. No início cortei cabelos com todos os barbeiros já que obedecíamos a ordem de chegada e tínhamos que cortar com o barbeiro da vez. Todos eles tinha uma forma de trabalhar e atender cada cliente.
O tempo passou e comecei a gostar não só do trabalho, mas também da forma como tratava seus clientes, do barbeiro que na época só conhecia com Senhor José. Era uma pessoa séria, comprometida e responsável com seu trabalho. Não admitia brincadeiras dos demais colegas no horário de trabalho para não comprometer a imagem do salão, já que muitos empresários e pessoas que trabalhavam e moravam na redondeza, iam  a barbearia cortar os cabelos ou simplesmente fazer a barba.
Passei então aos poucos a cortar o meus cabelos só com o Seu José. Quando chegava a minha vez e não era com ele, eu dava o meu lugar para outra pessoa até chegar a vez dele. De dois em dois meses assinava meu ponto na barbearia.
Isso aconteceu por muito e muitos anos. Só cortava os meus cabelos com o Seu Zé. Não tinha outra mão que cortasse a minha "juba" tão bem como ele. Durante todos esses anos, só me lembro de ter cortado os meus cabelos uma vez com outro barbeiro, quando passei dois meses em Fortaleza e não tive como voltar à Maceió.  Nem quando estava morando em Campina Grande cortei com outro barbeiro. Vinha à Maceió passar o fim de semana e aproveitava para cortar o meu "parrau".
Não esqueço nunca quando na véspera do meu casamento, cheguei na barbearia já tarde e com medo de não dar tempo dele me atender, cheguei perto dele e falei: "Seu Zé! Amanhã é o dia do meu casamento! Dá para cortar os meus cabelos?". Ele sorriu e falou: "que novidade boa! Espere aí que daqui a pouco farei isso com o maior prazer!".
Depois de vários anos trabalhando na barbearia, pelo o que eu soube, começaram a surgir alguns desentendimentos com os colegas de trabalho, normal pelo tempo que passavam juntos mas, principalmente pelo alto custo do aluguel e das despesas com a manutenção do imóvel. Uma vez enquanto cortava os meus cabelos ele me confidenciou que estava construindo um salão aproveitando uma área na frente da casa e que estava anciloso para se mudar e, isso acontecendo, avisaria à todos os seus clientes e que eu estava nessa relação.
Um belo dia, chegando na barbearia para cortar os meus cabelos, qual foi a minha surpresa quando soube da notícia que o Seu Zé tinha terminado de montar o seu salão e que já estava trabalhando no novo endereço. Deixou o endereço para aquelas pessoas que não houve tempo de avisa-las, que foi o meu caso. O novo local ficava na Praça Raul Ramos, no Poço e com o nome Salão "Só Corte".
Na foto 1 abaixo, o cartão do Salão que Seu Zé distribuía com os amigos.


Foto 1
Ali iniciava mais uma etapa na vida do Seu Zé Barbeiro. Trabalhando em casa, perto de seus familiares sem aquele corre corre de antes, quando tinha de se deslocar até o Centro da cidade diariamente para trabalhar. No seu novo endereço trabalhava de segunda à sábado e nunca deixou seus clientes na mão. Algumas vezes chegava lá na hora do seu lanche e ele me falava: "Nicolau! Me dê um tempinho, só para forrar a barriga, que voltarei para cortar os seus cabelos.
A gente sempre conversava durante o corte dos cabelos. Era vascaino doente e sempre me dizia: "tem duas coisas que eu peço à Deus que não tire nunca de mim:  a primeira, lógico! É a saúde para que eu possa sempre está trabalhando e atendendo meus cliente e amigos! E a segunda, é permitir que eu não pare de tomar minhas poucas doses diárias de "caninha". Faço isso diariamente antes do jantar para relaxar e também para abrir o apetite. São duas ou no máximo três doses e já me dou por satisfeito". Ele também falava: "Nicolau não sei o que será de mim se algum dia tiver de parar de trabalhar. É um trabalho muito cansativo pois passo praticamente o dia de pé e com os braços numa posição não muito boa e no final do dia estou realmente exausto. Mas, esse contato diário com as pessoas, me faz muito bem. As conversa variadas e tudo mais é muito bom!"
Numa dessas idas ao Salão, enquanto cortava os meus cabelos, ele me falou que em função da construção de um primeiro andar que estava construindo em sua casa estava pensando em vender o seu carro, pois estava no projeto a construção de um elevador para facilitar o acesso ao 1º andar, onde iria morar. O térreo seria alugado para ajudar na renda mensal. Pedi para ver o carro, um fiesta 2004  com 4000 km rodados. O carro ainda cheirava a novo. Fiquei doido pelo carro, mas o preço estava Salgado. Ele não arredava o pé! Era aquele preço e pronto! Eu e minha esposa fizemos um sacrifício e compramos o carro. Foi um negócio bom para os dois. Eu com um carro novo e de procedência e ele com dinheiro para concluir a sua construção.
Seu Zé Barbeiro, era uma pessoa de estatura mediana e nos últimos anos tinha engordado bastante. Estava com uma barriga muito grande o que dificultava ainda mais o seu trabalho diário. Não fazia outro tipo de atividade. Era realmente uma pessoa sedentária. Aparentemente demonstrava ser uma pessoa muito calma.
Bem! O tempo passou e eu continuava freqüentando o Salão "Só Corte" até quando em setembro de 2009 fui acometido por um AVC isquêmico, o que me deixou praticamente dependente dos meus familiares pois, no início me deslocava com auxílio de uma cadeira de rodas e tudo que fazia tinha de ser com o auxílio deles. Era um verdadeiro sufoco.
E agora! Como iria cortar os meus cabelos? Conversando com minha esposa ela sugeriu que ligássemos para o Seu Zé perguntando se ele poderia vir aqui em casa fazer o trabalho, situação que não quis arriscar, até pela dificuldade e a distância para chegar em minha casa. Diante de tudo, resolvemos ir até a barbearia levando a cadeira de rodas no carro.
Ao chegar na barbearia fizemos todo um ritual para me retirar do carro com a ajuda do Edson, barbeiro que há pouco tempo ajudava Seu Zé na barbearia. Quando Seu Zé me viu e que realmente caiu na real que era eu sentado naquela cadeira de rodas, não se conteve e encheu seu olhos de lágrimas e tentando disfarçar a situação um pouco embaraçosa me perguntou: "o que aconteceu com você, amigo?" Eu tentando não ser muito contundente para não o deixar ainda mais assustado e emocionado, contei o que realmente tinha ocorrido comigo. Ele ficou muito abalado com o ocorrido e disse que eu devia ter ligado que ele arrumaria um tempo pra cortar os meus cabelos em minha casa.
A vida continuava e eu já sem o auxílio da cadeira de rodas continuava indo lá sempre que sentia necessidade de cortar os meus cabelos. Um certo dia, ao chegar na barbearia senti falta do meu amigo Zé Barbeiro e, perguntei ao Edson, sobre o seu paradeiro e ele me disse: "o Seu Zé está doente! Por incrível que pareça, sofreu também um AVC!". Eu não acreditei! Perguntei como ele estava e o Edson me disse que ele estava bem. Teve os membros do lado direito afetados, assim como eu mas não tinha o deixado com os movimentos tão comprometidos como os meus. Cortei os cabelos com o Edson e depois pedi para fazer uma visita ao Seu Zé. Ao chegar no primeiro andar utilizando o elevador, me deparei com o meu amigo abatido, mas bem! Tinha alguma dificuldade, para falar e se deslocar, mas não como as minha. Só lamentava não poder estar trabalhando. Nesse ponto, ele estava preocupado em função da perda de parte dos movimentos da sua mão direita, causada pelo AVC. Conversei bastante com ele, expliquei que ele teria de fazer um regime sério para perder peso, pois isso iria facilitar o trabalho de fisioterapia e o seu deslocamento. Citei inclusive o meu exemplo que tinha perdido 25 quilos. Disse também que o fundamental nessa doença era a paciência e perseverança. Desistir jamais! Me despedi e fui embora prometendo que voltaria depois para conversar. Ele ficou muito alegre com a minha visita e pediu que realmente aparecesse sempre que pudesse. Foi o que realmente fiz. Sempre que ia cortar os cabelos, perguntava por ele mas a resposta que tinha do meu amigo era que sempre estava deitado descansando e para não perturbar me contentava com as notícias do meu amigo  Edson.
Soube depois em uma das vezes que estive por lá que ele lamentavelmente tinha sofrido um novo AVC e que dessa vez foi mais forte. Fui visita-lo e o que vi, me deixou muito triste e preocupado. Meu amigo Zé estava muito deprimido e segundo a sua esposa, tinha voltado a comer de tudo e a beber. Um certo dia, muito deprimido tomou um "porre" daqueles. Mal fazia a fisioterapia e a hidroginástica  e não queria saber mais de nada. Até receber os amigos e clientes não gostava mais de receber. Descer para a barbearia e conversar com as pessoas nem pensar! Eu era uma das poucas exceções. Aliás! Ele gostava muito de conversar comigo. Ficava muito alegre e quando me despedia, ele pedia para voltar sempre que pudesse. Dizia que passaria o dia colocando os assuntos em dia.
Da última vez que ví o meu amigo Zé, fiquei mais uma vez muito mais preocupado. Estava deitado, mais gordo e com mais dificuldade para andar. Conversamos muito sobre a nossa doença e achei ele muito triste. Tentei mais uma vez passar para ele que uma dieta seria muito importante e que sair e passear seria muito bom. Comentei depois com minha esposa que Seu Zé tinha se rendido para doença e achava difícil a sua situação. Não via nenhuma reação para que ele tentasse sair daquela situação.
Passados uns dois meses voltei ao salão para mais uma vez cortar os cabelos e se possível conversar com meu amigo Zé Barbeiro. Ao chegar ao salão pedimos para  que o barbeiro Edson abrisse o portão da garagem, local por onde sempre entrava por ser de fácil acesso. Logo que entrei, como sempre fazia, perguntei pelo seu Zé. Foi quando meu amigo Edson falou: "o Seu Zé se foi! Pois é amigo! Ele morreu!". Eu sem acreditar no que tinha ouvido perguntei: "como é a história?", e ele com a cabeça baixa, confirmou o que tinha me dito: é meu amigo o nosso amigo Zé nos deixou! Ainda sem acreditar e muito emocionado, meu olhos encheram de lagrimas mas me contive pois a sua filha Fatima, que morava com ele estava perto. Continuava estupefato com a notícia. Da última vez que nos encontramos, apesar da sua situação, não esperava jamais receber essa notícia. O pior é que já fazia mais de um mês que ele havia morrido. Foi no dia 13 de agosto. Perguntei para o Edson como ele tinha morrido e ele me disse que tinha sido de repente. Se não me engano teve um ataque  fulminante do coração, não suportou e morreu. Perguntei também como estava a sua esposa e a família e ele me respondeu que estava sofrendo muito com a perda, mas estava tentando superar essa tragédia. Pedi para falar com ela, depois do corte dos meus cabelos, ele perguntou para a filha se havia possibilidades e ela disse que com certeza e seria muito bom para sua mãe. Enquanto cortava os cabelos minha esposa conversava com sua filha Fatima.
Terminado o corte, ainda muito abalado e muito emocionado, eu, minha filha Renata e minha esposa Fatima subimos para falar com a sua esposa. Ela já estava nos esperando à porta, demos as nossas condolências, lamentamos muito o que havia ocorrido e agradecendo o convite, entramos e nos acomodamos no sofá. Ela sentou numa cadeira na nossa frente e já chorando tentou explicar como tudo aconteceu e como ele vinha se comportando ultimamente. Disse que foi tudo de repente. Tudo que já havia relatado anteriormente para mim, ela mais uma vez, confirmou.
Conversamos por um bom tempo e para não sermos inconvenientes, nos despedimos e nos colocando à disposição para qualquer coisa que fosse necessário. Prometi inclusive que continuaria cortando os cabelos lá no Salão. Ela ficou muito satisfeita pois com isso iria ajudar a família.
Fomos embora, e no carro eu, minha filha Renata e minha esposa Fatima, todos abalados, continuamos conversando sobre o assunto, foi quando minha esposa falou: ele suicidou-se Nicolau! Eu disse é verdade! Deixou se entregar pela doença e olha só o que deu! Meu Deus! É verdade! isso é um verdadeiro suicídio. Aí a Fatima retrucou! Não Nicolau, você está ficando doido? O Seu Zé suicidou-se! Diante de uma notícia tão contundente, eu mais uma vez não me contive e enchi os olhos de lágrimas e ainda impressionado com tão trágica notícia falei: pelo amor de Deus! Como é a história? Ele suicidou-se? Então ela confirmou e isso me fez sentir uma profunda tristeza e pensar como estava o meu amigo Zé para tomar um decisão como essa. Quanto desespero meu Deus! Que solução trágica tomou o meu amigo Zé! 
Segundo a Fatima, a sua filha, ele estava em casa, no quarto quando uma pessoa que ajuda na casa ouviu um barulho como se fosse um estampido de um tiro vindo do quatro. Quando ela abriu a porta encontrou o Seu Zé caído sobre a cama com o revolver na mão. A coitada muito nervosa e assustada, saiu correndo e quase sem poder falar, chamou o nosso amigo Edson que ao chegar, já não pode fazer nada. Ele já estava morto. Restou apenas a dolorosa missão de avisar a sua esposa que estava na igreja participando de um culto.
Bem meus amigos! Não vou mais prolongar essa triste, comovente e terrível história. Mas, não poderia jamais de prestar essa homenagem póstuma para meu grande e inesquecível amigo. Uma criatura honesta, amiga, correta e acima de tudo muito legal e de grande caráter. Tenho certeza pelo tudo que fez de bom aqui na terra está num lugar privilegiado junto a  Deus e continua lá de cima pedindo à Deus proteção para sua família e todos os amigos que aqui ficaram lamentando a sua morte e com muitas saudades. Vai em paz meu inesquecível amigo José Barbeiro! Saudades!!!

Nicolau Cavalcanti em 17/09/2013