domingo, 7 de outubro de 2012

A Venda do Seu Toledo: "maravilhosas recordações!"

Funcionou por muito e muitos anos na Avenida Siqueira Campos, esquina com a antiga Rua São Domingos, no Bairro do Prado. Foi ali onde vivemos bons e grandes momentos das nossas vidas. Na realidade a história vem de muito antes. A Venda já existia e fazia parte de um imóvel que pertencia a uma família que ali morava mas, confesso a vocês que não me recordo muito bem dessa família. Ainda não morava na Rua São Domingos. Já pedi ajuda para alguns amigos da turma, para me passarem algumas informações sobre essa família para que possa enriquecer a nossa história.
Era uma Venda muito simples e tinha muito poucas opções daquilo que uma venda poderia oferecer, na época. O balcão muito velho, sujo, muito riscado e marcado pelas pessoas que ali frequentavam para conversar, tomar uma cerveja, um refrigerante ou uma dose de pinga e, usavam a tampa da garrafa de cerveja ou do refrigerantes para rabiscar o balcão, enquanto distraidamente, conversavam. As estantes assim como suas prateleiras, de madeiras, além de muito antigas, estavam praticamente vazias e empoeiradas. Algumas garrafas de cervejas, de pitú, de mucurí, de refrigerantes e outras bebidas como run montilla, bacardi... Espalhadas pelas prateleiras, tentavam preencher os vazios. No chão, algumas caixas de cerveja e refrigerantes, daquelas de madeira, as mais baixas e menores de refrigerantes e as maiores de cervejas. Eram também utilizadas como cadeiras e até mesmo como mesas, nos dias em que o movimento era maior.
À noite, apenas uma luz incandescente, iluminava o ambiente. Ainda me lembro do esforço que Seu Toledo fazia para alcançar a "pera" e acender a lâmpada. Utilizava um banco de madeira que servia também para que ele sentasse para descansar, atrás do balcão. Em cima do balcão tinham sempre alguns pedaços de papel de embrulho grosso na cor cinza e folhas de revista e de jornal sob um pedaço de madeira, que eram utilizadas para embrulhar as poucas mercadorias que também eram vendidas ali, tais como sabão em pedra, ovos, óleo, café, etc... Existia um balcão em frente ao balcão principal da Venda, onde tinha um fiteiro de vidro daqueles que girava e tinha várias partes com tampas onde eram colocados confeitos de hortelã, chiclete Ping-pong, de hortelã e de tutti-fruti, pirulitos, bananola... Tinha também um outro fiteiro com diversos maços de cigarros, tendo em maior quantidade o continental sem filtro, o astória e o hollywood, os mais procurados. Tinha também, pendurada na estante do fundo, uma folhinha, daquelas que para cada dia se destacava a página onde tinha escrito o dia da semana, fases da lua, o Santo do dia, etc... No verso, normalmente tinha escrito algumas curiosidades. Nas paredes, também sujas, com teia de aranha e muito "pacumã", tinham coladas, várias propagandas de cigarro e de cerveja.
A Venda tinha quatro portas, de aproximadamente 2,50 metros de altura, com duas folhas, cada. Duas portas davam para a Avenida Siqueira Campos, uma para a Rua São Domingos e outra que ficava de quina para as duas vias e sempre estava fechada. Além dos enormes ferrolhos, tanto em cima como embaixo, cada porta tinha uma tranca para cadeado, também enorme, daquelas que quando aberta, uma das partes ficava pendurada. Creio que confeccionadas artesanalmente de ferro fundido.
Tinha também em cada porta, uma retranca de madeira, que era colocada perpendicularmente a altura da porta que, quando fechada encaixava-se suas extremidades nos dois lados, em furos feitos na parede bem junto da porta e que servia para dar mais segurança e dificultar a ação de ladrões. A retranca era muito comum nas residências e casas comerciais, da época. Cada porta tinha também, degraus, e o piso era todo cimentado, bastante antigo. Por dentro, encostada na porta que sempre estava fechada, tinha uma mesa de madeira e três tamboretes, todos muitos antigos. As paredes eram todas dobradas, que nem "parede de Igreja", acredito que era para suportar o primeiro andar que existia em toda a extensão do imóvel. Internamente, se não estou enganado, as paredes eram pintadas na cor azul clara, com o rodapé na cor vermelha. Na realidade nos imóveis mais simples, era muito comum utilizar esse tipo de rodapé, que era uma barra de aproximadamente dez centímetros e se estendia por toda a casa separando piso das paredes. A tinta utilizada era a cal misturada com o xadrez, corante que era vendido em pequenas caixas, com várias opções de cores, sendo as mais utilizadas, a amarela e a ocre, essa última utilizada normalmente para rodapé.
Frequentávamos a Venda do Seu Toledo, todos os dias. Pela manhã, normalmente toda a turma estudava. A maioria no Colégio Moreira e Silva e no Colégio Estadual. Eram realmente os dois Colégios, cujas vagas eram muito concorridas. Só estudavam “filhinhos de papai”, apesar de existir, em Maceió, vários colégios particulares muitos bons, inclusive com internato. Era o caso do Colégio Marista, para alunos homens e o Colégio Santíssimo Sacramento, para mulheres.
Bem! Pela manhã, tarde ou pela noite, sempre tinha uma parte da turma na Venda. À noite, com certeza, estávamos praticamente todos lá. Uma parte encostada no balcão, alguns sentados nos batentes das portas e outros ocupavam a única mesa que existia no recinto. Seu Toledo ficava muito puto, principalmente quando chegava um freguês, pois a dificuldade começava na entrada, a turma sentada nos batentes, impedia a entrada das pessoas. Quando o freguês conseguia entrar e pedia uma cerveja ou uma outra bebida qualquer, a única mesa disponível, estava sempre ocupada pela turma e só depois de uma indireta do Seu Toledo, a turma desocupava a mesa e assim mesmo reclamando. Só assim o coitado do freguês podia se acomodar e tomar sua bebida em paz.
Seu Toledo era casado com Dona Renilva e tinha dois filhos: A Amélia, que por sinal era muito bonita. Tinha um corpo muito bem feito E era realmente uma "coisinha linda"! O Jorginho, seu irmão, era criatura muito mimada. O nosso amigo Missinho chegou a namorar a Amélia. Cabra de sorte!
A casa onde moravam ficava na Rua São Domingos, era grande e tinha um primeiro andar onde toda a família morava. Embaixo tinha uma sala, a cozinha, um quintal muito pequeno, um quarto e um cômodo que servia de depósito e tinha um acesso para a Venda e uma porta para a Rua. A Dona Renilva era cabeleireira e tinha um pequeno salão na sala de jantar onde atendia as "Madames" da redondeza. Era uma pessoa muito batalhadora, mas não tinha nada a ver com o nosso amigo Toledo. Terminou se separando dele e o coitado passou a morar sozinho na casa, pois sua esposa levou também seus dois filhos com ela. Depois da separação, mesmo sentindo muita falta dos filhos, tentou retomar sua vida. O cômodo que servia de depósito, sofreu uma pequena reforma, e foram colocadas algumas mesas, umas duas, para servir também de espaço para a turma beber, mas só entrava lá as pessoas mais próximas e mais amigas de Seu Toledo. a turma mais velha. Quem não tinha dinheiro, bebia no balcão. Não tinha sanitário e só essas pessoas mais íntimas tiravam a "água do joelho", no sanitário da casa, o restante da turma tinha que “mijar” em casa ou na Praça da Faculdade. O local era realmente precário e não oferecia qualquer conforto para o freguês. Seu Toledo realmente sobrevivia da boa vontade da turma mais velha e das pessoas que ali frequentavam, pela amizade, mas não pelo que o Bar e a Venda tinham a oferecer.
Certa época, para oferecer um atendimento melhor, contratou um cozinheiro, uma bicha louca! Figura de alta periculosidade, mas um cara muito legal. Um cozinheiro de mão cheia. Cozinhava como poucas mulheres e chamava-se Zezé Macedo. Baixinho, troncudo, cabeça chata e já nasceu com uma boca de chupão. Tinha uma cara de "quenga", da porra! Tinha deixado uma empresa que prestava serviço para a Petrobrás na Bahia onde trabalhava como cozinheiro. Era na realidade uma verdadeira dona de casa, fazia de tudo: lavava, cozinhava, cuidava de tudo e ainda tinha tempo de dar o “boga”.
Logo fez amizade com todos da turma e começou a dar dor de cabeça para Seu Toledo, pois apesar de ser um excelente profissional da cozinha, gostava de tomar umas e outras e quando bebia o ambiente virava zona. Distribuía tira-gosto, cigarro e cerveja, de graça, para todos e principalmente para aqueles que ele simpatizava. Várias vezes, depois de tomar uma, a turma atiçava e ele empolgado subia na mesa, e ao som de palmas e gritos da turma, dançava rumba e rebolava aos gritos de bis! De toda a "patota". Claro que isso só acontecia na ausência de Seu Toledo e no recinto reservado para os mais íntimos. Soube até que sustentava gente da turma com dinheiro, cigarro e “outras” mordomias. Não demorou muito para Seu Toledo demiti-lo, pelos abusos que praticava e pelo prejuízo que causava. Mas antes de sair, participou com a turma de um Festival de Verão em Marechal Deodoro, na "BARRACABAÇO", como cozinheiro oficial da turma. Pense numa zona!
Não sei bem se foi nessa mesma época, mas apareceu por lá, um tal de um sobrinho de Seu Toledo, vindo de São Paulo, que não me recordo seu verdadeiro nome, mas logo o apelidamos de “Sapão”, pela figura estranha que era. Parecia uma mistura de japonês, chinês e chimpanzé. As pernas eram "cambotas", de cor branca amarelada, tinha sempre a cabeça raspada, andava na maioria das vezes sem camisa e fumava que nem uma caipora. Só não fazia uma coisa: trabalhar! Seu Toledo bancava tudo! Gostava muito de nadar e quando não estava “desmanchando o que não fez”, estava na praia. Ia sozinho nadando da praia da Avenida até o cais do porto e não sabíamos como conseguia trazer carteiras de cigarros importadas, que na época era artigo raro em Maceió. Segundo ele, ganhava dos marinheiros. Não sei que fim levou, mas se não estou enganado, Seu Toledo o deportou de volta para São Paulo. Realmente desapareceu e nunca mais soubemos do seu paradeiro.
Me lembro que houve uma época em que surgiu uma febre de palavras cruzadas e de leitura de uns livros pequenos com histórias de bang bang e de detetive, que se comprava nas bancas de revistas. Seu Toledo, o Beto Torreiro, eu e outros da turma sempre líamos e disputávamos também quem era o melhor nas palavras cruzadas da revista que comprávamos e que era chamada de Coquetel. Tinham também as charadas, que apareceu e como as palavras cruzadas, dominavam a nossa turma. Todos queriam ser o bom!
Seu Toledo, "comeu o pão que o diabo amassou!" A turma comia o juízo do coitado com brincadeiras que muitas vezes, passavam dos limites. Imagina você está dormindo tranquilamente em sua casa, no caso do Seu Toledo, no primeiro andar e de repente ser acordado por uma rajada de nó de cana, na janela do seu quarto! Isso era o mínimo que fazíamos quando todos estávamos sentados na esquina da Dona Amélia. Esquina essa que ficava de frente a sua Venda como também ao seu quarto, no primeiro andar da casa. Tinha ainda a grande algazarra que fazíamos que fazíamos todas a noite, e que, não só ele reclamava, mas a Dona Amélia também, Senhora que morava na casa de esquina, onde a turma ficava.
Seu Toledo era uma pessoa de estatura baixa, calvo, quase careca e com meia dúzia de cabelos penteados pra traz. Andava sempre vestido com uma calça de tergal, com os Abanhados arregaçados ou dobrados, camisa de mangas curtas dobradas, aberta até a altura dos peitos e calçava sempre uma sandália japonesa, gasta e suja. Tinha umas "crecas" nos cotovelos e sempre andava coçando. Gostava muito de uma fofoca apesar de ser uma maravilhosa figura humana.
A Venda do Seu Toledo, era também o ponto da velha guarda que gostava de tomar uma dose de cachaça, conhaque... Antes do almoço ou à noite antes do jantar. Tinham pessoas que assinavam o ponto religiosamente todos os dias: o Didô, o Expedito, Seu Cícero Marchante, o Julio "Mamão", o Seu Chagas pai do Geraldo "Cabeção", o Manela, o Seu João do Charque... E muito outros. O Didô, tinha uma cabeça muito grande. Chamávamos o coitado de "cabeça de navio". Sua cabeça era realmente diferente. Parecia o casco de navio. Ele usava um boné que a turma pra encarnar com ele, dizia que ele trazia a feira do mercado, nesse boné. Ele não gostava nada dessa brincadeira!
Muitas vezes, ficávamos sentados na Esquina de Dona Amélia, esperando a Venda abrir e, quando abria, invadíamos rapidinho, tentando escolher o melhor lugar para ficar.
A situação financeira do nosso amigo Toledo, já não era das melhores e ele teve de alugar o ponto para sobreviver. Continuou morando na casa por um bom tempo mas as pessoas que alugaram o ponto da Venda não tinham experiência no ramo, eram inclusive amigos da turma. Tinha o Julio "Mamão", o Valmiro e o Basto. A única solução foi vender o imóvel. Me lembro que uma das últimas vezes que vimos o Seu Toledo, foi numa das nossas farras que fazíamos todo final de ano, morando no final da Avenida Silvestre Péricles, na Ponta Grossa, onde tinha alugado um ponto de esquina com a Avenida, onde comercializava lanches e até cervejas. Ele como nós ficamos muitos alegres por ter nos encontrados. Não sabemos por quanto tempo Seu Toledo ainda viveu mas, nos deixou muitas saudades e muito boas recordações. Era uma criatura muito legal e desde a sua separação sofreu muito. Se não estou enganado teve alguns problemas de saúde mas graças a Deus, conseguiu superar. Acredito que a Venda de Seu Toledo como também a esquina de Dona Amélia, marcaram definitivamente parte da nossa infância e toda a nossa juventude.

Observação importante: peço a todos amigos da época, que souberem alguma história interessante sobre a Venda do Seu Toledo, que incluam no comentário ou passe por email para mim. Inclusive fotos.

www.nicolau.niel@gmail.com

Nicolau Cavalcanti em 06/10/2012

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