domingo, 8 de julho de 2012

Bar do Coruripe: "Eita Mocotó Arretado!!!"

O Bar do Coruripe - Fatos acontecidos no final dos anos 60 e meados dos anos 70. Éramos estudantes e tínhamos sede de aventura!!!
Esse bar fica localizado no bairro do Vergel do Lago, em frente à famosa Macarronada do Edson, que já não existe mais. Descobrimos essa "toca", nas nossas andanças sem destino que fazíamos nos finais de semana normalmente à noite. É uma casa muito simples de porta e janela, com aproximadamente 6 metros de frente, construção muito comum naquela área. Se olhássemos ligeiramente para sua fachada, não víamos nenhum indicativo de que ali funcionava um bar. Apenas uma pequena placa de zinco pintada com a propaganda da coca-cola existia fixada acima da porta de entrada. Esse tipo de anuncio era muito comum na época. Na realidade era uma residência transformada em bar. Um detalhe: a porta da frente, sempre estava fechada. Para entrar empurrávamos o postigo e com a mão, abríamos o ferrolho, na parte interna da porta. Quem não soubesse desse macete, tinha que bater na porta e aguardar que alguém viesse atender.
Quando se entrava na casa, havia uma sala e no centro uma pequena sinuca, muito usada na época e ainda hoje, como uma espécie de atrativo para chamar as pessoas para o bar. Mas pra falar a verdade, nunca vi ninguém nem por perto, quanto mais jogando na tal sinuca. Continuando, atravessávamos um corredor pouco iluminado onde no lado direito tinham dois “quartos” que sempre que ali passávamos, as portas estavam fechadas e aí sim: chegávamos ao bar propriamente dito. Era uma sala e mais um cômodo lateral, onde havia várias mesas dispostas normalmente junto às paredes e cobertas com toalhas confeccionadas com aquele tecido de algodão quadriculado, nas cores azul e branca ou vermelha e branca, muito utilizadas antigamente e até hoje em bares e restaurantes. Em cada mesa, sempre tinha uma farinheiro redondo confeccionado em madeira e uma garrafa com molho de pimenta malagueta, muito cheiroso, daqueles que no dia seguinte, quando o cabra exagerava, amanhecia com os “beiços” inchados e sem poder “sentar direito”, devido ao efeito colateral da danada da pimenta. A cozinha ficava ao lado da sala e, de onde normalmente ficávamos, víamos todo o movimento da dona do bar e de suas auxiliares preparando os deliciosos tira gostos.
Ali, na época, se comia o melhor mocotó de Maceió. Era o carro chefe da casa. A dona do bar, uma senhora, cujo nome não me recordo era gorda, baixa e de cabelos compridos, sempre enrolados e presos em forma de “cocó”. Sempre que chegávamos, estava na cozinha preparando tira gostos diversos e, como não poderia faltar, aquela panelada de mocotó para o dia seguinte. Esse é o segredo para o mocotó ficar mais gostoso: ser preparado no dia anterior para que o tempero apure! Sempre que ela podia, dava uma chegada nas mesas e cumprimentava os seus fregueses, querendo saber se a comida estava boa ou se estava faltando alguma coisa na mesa. Quando era uma pessoa conhecida, de lá mesmo da cozinha, ela cumprimentava. Tinha gente que freqüentava o bar sete dia na semana. Tinha que assinar o ponto diariamente, só para tomar uma "lapada", acompanhada de um suculento caldinho de mocotó. Era realmente muito bom! O cara ficava viciado mesmo!
Como éramos estudantes, o dinheiro era muito pouco. Normalmente bebíamos cachaça. Algumas vezes cerveja e, muito raramente outra bebida mais cara: rum montilla ou campari. Uísque, nem pensar! O mocotó dali era muito famoso e realmente muito delicioso. Acompanhava o prato verduras diversas tais como: quiabo, maxixe, abóbora, batata inglesa, chuchu, repolho, couve, etc... Cada pessoa da mesa ganhava como cortesia da casa, um copo do caldinho do mocotó, como entrada, servido naqueles copos tipo americano, muito usado na época. A colher de mexer e tomar o caldinho era de alumínio, muito mal acabada e muito usada também na época. Quebrava com uma facilidade danada! Para refeição, acompanhava o suculento e delicioso mocotó, servido em uma travessa que vinha transbordando de tanto mocotó: arroz branco e uma travessa funda cheia até a borda, de pirão feito do próprio caldo do mocotó. Simplesmente uma delícia! Era um baita de um prato e comiam tranqüilamente quatro pessoas. Quando o freguês terminava de comer, estava suando mais do que tampa de chaleira e nada mais entrava. O cara ficava realmente empanturrado e tinha muitos que até passava mal, com o efeito do mocotó. O preço era mais gostoso ainda!
O local era bem freqüentado, não só por pessoas da redondeza, mas também por muita gente de toda Maceió que iam ali atraídas pela propaganda do famoso mocotó. Freqüentavam também algumas figuras do tipo “boêmia”, sempre acompanhadas de amigos e, como não podia faltar, de mulheres.
Ali, sempre que podíamos Eu, Ciço Bomba, Beto torreiro, Tomatinho já falecido e o Vestibular, amigos de infância, que apesar dos apelidos estranhos, eram criaturas maravilhosas, nos reuníamos para tomar uma "meiota", que nada mais era a cachaça(pitú, mucurí, saborosa, etc...), servida em uma garrafa de vidro de coca-cola ou de outro refrigerante qualquer, cuja medida era aproximadamente meia garrafa de cachaça. Daí o nome de “meiota”! Não podia faltar é lógico, um prato caprichado do famoso mocotó. Passávamos a noite conversando sobre paqueras, músicas, festas, sobre a própria turma, etc... Às vezes, também freqüentava o bar com colegas do Colégio Moreira e Silva, e que colegas: O Severino Guaxinim, o Negão Sivanildo, o Samuel Setton e o Ubirajara. Esse último já falecido. Suicidou-se, no auge da sua juventude. Era um cara muito legal e sentimos muito o seu trágico desaparecimento.
Tinha um Senhor moreno bem escuro, de meia idade que freqüentava o bar e sempre estava vestido num impecável terno fabricado de tecido de brim cáqui e estava sempre acompanhado de amigos. Gostava de tomar um bom drinque e fazer também o que normalmente fazíamos: bater papo com os amigos! Descobrimos certa vez, que esse Senhor era um Mestre na arte de matar e criar charadas.
Meu apelido no Colégio Moreira e Silva, Colégio em que estudei o ginásio e o científico, era "Calango". Meu amigo "Guaxinim" tinha colocado esse apelido em mim e, não é que realmente pegou? Com o passar do tempo me promoveram e minha patente passou para "Camaleão"! Mais uma vez o Severino Guaxinim, com a sua cara de sonso, armou e depois saiu de mansinho, como se nada tivesse aprontado. Um certo dia, estávamos todos lá no bar tomando "uma", quando o Mestre da charada chegou. Foi como passamos a chamar o tal Senhor, já que não conseguimos gravar o seu nome. Muito alegre, cumprimentou a todos e sentou-se em uma mesa, ao lado da nossa. Pediu um drinque e aí começamos a conversar. Conversa vai, conversa vem, começamos a trocar charadas para ver quem acertava. Claro, a gente tinha muita dificuldade para matar as charadas, mas, por incrível que pareça, o Mestre não errava uma!
Na época gostávamos muito de fazer palavras cruzadas e matar charadas mas, éramos realmente amadores. O Severino Guaxinim, safado como sempre, se virou para o Mestre e olhando para mim, disse rindo: Mestre, se o Senhor é mesmo bom de charada, crie uma com o nome "camaleão"! Lógico que foi só pra sacanear comigo! O Mestre tomou um gole da bebida, olhou pra todos nós e, rindo falou: vocês não tem uma palavra mais difícil? Essa é fácil demais! Anotem aí! E começou: No leito do rei dos animais, dorme um réptil, 2-2 e assim rapidinho, componham piscar de olho, criava mais uma charada. No leito-2 é ca-ma, do rei dos animais-2 le-ão, juntando tudo:"camaleão". Aí foi bagaceira! Batemos palmas e empolgados pedimos outra “meiota” e mais um prato de mocotó. A conversa entrou noite à dentro e a gente nem percebeu o dia clarear! Era sempre assim, curtíamos bastante aqueles momentos, que para nós eram maravilhosos.
Nessa época quase todos nós fumávamos e entre uma "lapada" de cachaça com limão e uma boa garfada do suculento mocotó, sempre tinha alguém dando uma tragada. O negócio era o seguinte: estudantes, o nosso dinheiro era muito curto, então fazíamos uma "vaquinha" e comprávamos uma carteira de cigarro continental sem filtro ou similar para toda a turma. Quando acendíamos um cigarro, todos fumávamos desse mesmo cigarro. Era o "cachimbo da paz"! Fumava-se praticamente todo o cigarro e o último que pegava o resto, mas, o resto mesmo, que chamávamos de "tóia", sofria para dar as últimas tragadas. Era assim em todos os lugares que freqüentávamos.
Passamos um bom tempo freqüentando aquele bar. Foram bons momentos que vivemos naquele lugar. Embora o lugar fosse muito simples, conforme já citei, o ambiente e as pessoas que ali frequentavam, nos deixava muito a vontade. Depois, descobrimos outros locais e deixamos aos poucos de freqüentar, até que, infelizmente, paramos de vez. Apenas lembramos daqueles bons momentos, quando raramente nos encontramos ou quando paramos pra pensar na vida. O bar existe até hoje. Há alguns anos atrás, estava saboreando uma suculenta macarronada ao molho de camarão na “Macarronada do Edson”, acompanhado de Fatima, minha esposa e de nossos amigos Davi e sua esposa Mônica e levei o Davi até lá para ele conhecer de perto o bar, já que ele ficava em frente. Fui mostrar para ele, pois, sempre que contava alguma história da minha época, ele é muito mais novo do que eu, era sempre motivo de gozação, pois ele não acreditava! A entrada já não era mais pela porta da frente, mas sim por uma passagem lateral por onde chegávamos ao ambiente do bar. O que mais me impressionou foi que nada ali tinha literalmente mudado e praticamente tudo estava do mesmo jeito da época em que freqüentávamos o local. O Davi ficou muito impressionado e curioso para saber como tínhamos descoberto aquele esconderijo.
Realmente bateu em mim uma saudade muito grande e por um momento me vi sentado em uma daquelas mesas farreando com meus amigos e saboreando aquele delicioso e suculento mocotó. Não sei como anda o mocotó, nem se a dona do bar ainda estava viva.
Tempos mais tarde, conversando com o Tio da minha esposa Fátima, o Grande Dino, gente finíssima, que gostava de tomar "uma" e conhecia todas as “bibocas” de Maceió, falando sobre o Bar do Coruripe ele disse: Frequentei muito aquele bar e realmente não me lembro de ter saboreado um mocotó tão delicioso como aquele! Palavras de quem entendia do assunto!!!

Nicolau Cavalcanti em 08/07/2012

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